ASSALTO A MAO ARMADA NO UBER

Apesar de já ter vivenciado inúmeras situações de violência de diversas ordens, nunca tinha vivenciado um assalto, muito menos a mão armada em um uber. 

ASSALTO A MAO ARMADA NO UBER

Desde que sai de Lavínia, cidade de 5 mil habitantes e fui morar na cidade grande, Araraquara e depois em São Paulo, onde aprendi a colocar a bolsa na frente, caminhar com os olhos na nunca, ler os sinais de perigo e tudo mais, viajei para 11 países e nada nunca tinha acontecido, diretamente comigo, entendo que por pura sorte, os perigos não tem cara e não tem lugares. 

 

Ou seja, morei 2 anos e meio em Sp por 7 anos tinha frequência constante de transitar pela Selva de Pedras, morei em bairros como Vila Madalena, Pinheiros, Pompeia, Moema, Avenida Paulista, estudava na USP Leste, frequentava a USP Butantã, circulava por toda São Paulo, claro com os olhos na nunca e mochila sempre para frente, essas estratégias que aprendemos. 

 

No dia 27-03-2022, no penúltimo dia da estadia em SP fui visitar um casal de amigas no bairro Jabaquara, durante minha viagem de 48 dias de Buenos Aires a SP em Out-Nov de 2021 me hospedaram na casa delas durante o ultimo evento de moto que participei, e por saber da periculosidade do bairro houveram noites que não retornei e busquei outras maneiras de pernoitar. 

 

O ponto é que ao visitar minhas queridas amigas conversamos sobre nossas vidas, compartilhamos nossas conquistas pessoais, comemos e falamos sobre a produção do documentário Psicologia Por el Mundo, estruturamos novos caminhos e eu senti que já queria ir embora, minha amiga ofereceu para ler um taro de bruxas que ela estava aprendendo, aceitei. 

 

Eis que a mensagem era que eu precisava me afastar de pessoas por diversas razoes que não vem ao caso aqui, e que algo de ruim iria acontecer, mas não seria tão ruim quanto poderia, porque “eu estava protegida” 

 

Ficamos com aquela sensação  de suspense e pelos arrepiados e a dúvida se acreditávamos ou não, decidimos acreditar e tomar cuidados, mas a sensação de querer ir embora só intensificou. 

Depois de mais de 60 mil KMs estradeiros e inúmeras vivencias em minha história de vida, aprendi a confiar no meu instinto, essa vozinha que te fala algo que parece loucura ou irreal,  essa sensação de incomodidade que não sabemos o que é, esse instinto, é autoconhecimento, autoproteção, seja em qualquer situação, na estrada por exemplo estou sempre muito conectada com meus instintos. 

 

Uber avisou que já estava na  porta, tento sair do prédio e a porta de vidro não abre , o porteiro grita lá do alto – PUXA MAIS FORTE. Como se eu não soubesse reconhecer uma porta trancada, em mimica com gentileza pedi para que pudesse descer. 

 

  • Seu uber já chegou. 
  • Muito Obrigada. 

 

Abro o portão do prédio e avisto 6 jovens descendo a rua no meu lado da calcada, imediatamente meu pensamento foi. 

 

– Não seja preconceituosa, são jovens caminhando na calcada, que merda de sociedade que me faz fazer essas associações mentais sem critica. 

 

Entrei no carro e o motorista me cumprimentou e estava iniciando a corrida, de repente…. 

De repente, minha mente entrou em alerta emergencial, porque em alerta sempre esta quando estou em viagem.  Eu estava com meu celular, minha Gopro e o HD externo com TODAS AS ENTREVISTAS do Psicologia Por el Mundo para o documentário, coloquei debaixo das minhas pernas e levantei as mãos, na tentativa de que pudessem perceber que não havia resistência. 

 

Sentada sobre o meu projeto de vida no banco traseiro, com as mãos para o alto, naquele segundo onde você precisa usar o autocontrole e estratégia com perfeição. 

 

Eu via 6 HOMENS rodeando o carro, as portas da frente já abertas, golpeando o motorista tentando tira-lo para fora, neste exato momento outro pela janela de trás lateral apontou a arma e golpeou o motorista. 

 

Vendo essa cena toda acontecer e percebendo que a estratégia desses 6 homens retirar o motorista do carro eu tinha poucas opções: 

  1. Se tiram o motoristas entram 2 na frente, e os restantes atrás pelas duas portas laterais e eu ficarei no meio, dentro de um carro  com 6 HOMENS
  2. E se eu sair do carro lá fora pode ser pior porque já estão os 6 HOMENS 
  3. Se eu ficar no carro tenho mais chances de não estar sozinha porque tem o motorista, mas e se o motorista estiver com os outros 6 HOMENS, AGORA SÃO 7 HOMENS e eu MULHER no carro. 
  4. Porque eles não estão tentando me roubar? Na minha visão lateral via alguém parado esperando, eles não querem me roubar aqui ou querem o carro ou para sequestro relâmpago do Pix. Merda, não tenho dinheiro na conta, vou morrer, pior é o que eles vão fazer antes de me matarem. 

 

Naquela fração de segundo que a mão com a arma golpeava o motorista e minha cabeça pensando em tudo isso e ao mesmo tempo no auto controle de não olhar para o rosto deles porque se não imediatamente sentiria empatia em um rompante de desespero de já não saber mais o que fazer e pensar; GRITEIIII 

 

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAhhh

 

O grito acionou uma reação de fuga no motorista que acelerou, cantou pneu e as portas pareciam asas de tanto que iam e vinham que ao fazer a perigosa curva na velocidade se fecharam. Algumas quadras depois minhas mãos ainda para o alto, imóvel no banco traseiro, um silencio estrondoso nos invadiu. 

 

O motorista pediu desculpa de algo que nenhum de nós tínhamos culpa, o agradeci por ter salvo nossas vidas principalmente porque eles estavam armados, ele nem sabia o que tinha sido o golpe na cabeça que sofreu e pediu desculpas por reagir, mesmo sem saber. 

 

A reação dele salvou minha vida, as nossas vidas. O correto é não reagir, no entanto foi um conjunto de ações que nunca iremos prever o que ira acontecer até que aconteça. 

 

Ele sem celular, eu sem internet, sem chip no Brasil, a nossa sorte foi que uns dias anteriores decidi baixar o google maps offline e assim conseguiu me levar ate o meu destino. 

Como psicóloga em situações de emergência e desastre, de situações traumáticas de violências e tudo mais sempre alerto as pessoas para ficarem atentas as semanas e meses subsequentes pois o estado de alerta pode continuar acionado e ter rompantes afetivos aparentemente do nada ou por nada, mas são efeitos da situação traumática. 

Amably

Ao adentrar o Apto liguei para o casal de amigas onde estava e relatei, repeti, me emocionei, tive crise ansiedade, obvio e me acalmei sabendo que as próximas semanas e meses precisaria ficar atenta a minha saúde mental. 

 

Ao retornar a Buenos Aires, foi como um alivio, e como esperado os efeitos começaram a aparecer acionando diversos outras lembranças traumáticas, até eu perceber que a dor que estava doendo não era mais a da cicatriz curada, mas do que estava dilacerando novamente. 

 

Há inúmeras questões que podemos abordar a partir desse tema, no entanto, tive medos de sair sozinha e viajar de moto sozinha. Imaginem o quanto me afetou para ter medo de fazer o que mais amo, viajar em moto e seguir com meu projeto. 

 

Algo em mim mudou, compreendo que A CORAGEM É O MEDO EM ACAO, portanto, necessitava usar meu medo com estratégias de proteção. 

 

Uma delas é algo que minha amiga Dani Sutil a mulher de mais kms estradeiros que conheço, de não postar localização atual durante as viagens e tals. Compreendia, mas não usava.

 

Decidi fazer o PSICOLOGIA POR EL MUNDO Argentina de  Norte a Sul por 1 ano, e o norte da argentino é conhecido pelo trafico de mulheres, muito feminicido e homofobia, ou seja, cuidados redobrados. 

 

Somado a episodio traumático de assalto e cuidados necessários de uma realidade duríssima, decidi mudar algumas estratégias de segurança para minha própria proteção assim como para que eu pudesse ter tempo de planejar melhor os conteúdos de vídeos, posts e blog, ou seja, tudo fez sentido. 

 

Decidi compartilhar com voces sobre esse episodio porque ser MULHER LÉSBICA, VIAJANDO SOZINHA DE MOTO, tem a parte interessante da representatividade, do inspirar outras mulheres e tals, mas também tem a parte real. 

 

NÃO TENHA MEDO DE CONSTRUIR E VIVER SEUS SONHOS. SONHOS SÃO IDEIAS, CONQUISTAS SÃO VIVENCIAS! 

 

QUE CADA VEZ QUE UMA MULHER ESTEJA CONQUISTANDO SEUS SONHOS, TODAS NÓS COMO COLETIVO POSSAMOS NOS ALEGRA, NOS INSPIRANOS E NOS AUTOPROJETERNOS. 

Se voce passou por alguma situação traumática e sente que precisa de ajuda, entre em contato com a rede de saúde mental do seu município, busque ajuda com profissionais qualificados, mas nao desista dos seus sonhos.

10-07-2022

Escrito por

Amably Monari,

Psicóloga Clínica, Mestre em Mudança Social e Participação Politica pela USP. Mulher lésbica, feminista e Ativista Social.

Viajo América Latina em moto captando o SENTIDO DA VIDA LATINA, por meio da Saúde Mental com o projeto Documental PSICOLOGIA POR EL MUNDO.


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