PSICOLOGIA E MOTOCICLISMO
O curta metragem de Erica Sarmet conta a história de uma mulher lésbica, motociclista, que, aos 50 anos, e cansada da solidão vai a uma festa lésbica culminando em uma profunda narrativa sobre a representatividade lésbica em todos os âmbitos da vida.
Encontrei por acaso nas redes sociais da Diretora Erica Sarmet o link do PORTA CURTAS , há meses que estou à espera de poder assisti-lo, não está mais disponível, fiquem atentes que os festivais de curta sempre disponibilizam.
Na matéria anterior, que está disponível no Portal ELAS PILOTAM, falei sobre a relevância da representatividade LGBTQIAP+, que tem toda a sua importância e repensei algumas questões, após assistir o curta.
Escrito e dirigido por Érica Sarmet e estrelado por Zélia Duncan, Bruna Linzmeyer, Camila Rocha, Clarissa Ribeiro e Lorre
Quantas vezes as mulheres lesbicas são invisibilizadas na arte, na politica, na rua, nas universidades, no trabalho, em casa, nas relações, no motociclismo?
Quantas vezes nos colocamos dentro de todos os outros grupos e continuamos a margem da sociedade?
Gostaria de ressaltar a importância desse Curta para a R(EXISTENCIA) LÉSBICA, a representatividade é um dos pontos importantes para visibilizar distintos modos de ser e viver no mundo.
Amo a arte áudio visual, me fascina, imagens que ecoam sentimentos em silencio. Me atravessam, me tiram o chão, esqueço de respirar, nesse momento de suspensão concluo, ARTE.
A arte rompe a linearidade de uma mente metódica da pesquisadora que sou, elevando minha curiosidade em fios condutores desconexos que engendram sentidos complexos de cada detalhe que se integram.
Erica Sarmet, me tirou o ar, a delicadeza de cada cena, cada conteúdo trabalhado é de arrepiar o curta explica-se por si os porquês de ganhar tantos prêmios.
A estrutura de edição moderna e futurista, nos leva para uma sensação de ao mesmo tempo trazer a realidade das redes sociais, que é a vivencia contemporânea com uma cotidianidade, poética de uma mulher sapatao de 50 anos motociclista, transgeracional.
Os cortes de cada cena e ao mesmo tempo as cenas que se amalgamam produzem uma sensação de maquina do tempo, nos transportando as contradições da vida como é imposta no ato de viver.
Essa contradição nos translada para a conclusão de que viver a diversidade como sofrimento é um constructo de uma sociedade que patologiza e medicaliza a vida.
A “timidez” de Vange (Zelia Duncan) poderíamos pensar como uma camada de um performar de uma mulher que viveu a margem da sociedade, essa sensação da não pertenência, do deslocamento, do não saber o que fazer em uma contraposição transgeracional de 4 mulheres jovens que também ao serem marginalizadas pela sociedade “OCUPAM” espaços sociais, suas próprias vidas, seus próprios desejos.
A multidão que elas representam no distanciamento de uma singularidade que as tornam universais, nos conduz a uma liberdade que ao mesmo tempo nos inspira, nos angustia em saber que ainda não somos todas livres para sermos, lésbicas, sapatao, caminhoneira, ententidas, tortas (como nos nomeamos aqui na Argentina).
Essa tal timidez a levou ao isolamento, ao não ter lugares de diversão, iberdade de expressar seus desejos, seja de tomar uma cerveja sozinha, com amigues ou de paquerar, esse não espaço produz sofrimento psíquico.
É notável a linguagem corporal de Vange ao estar só e ao estar com o grupo, existir, ocupar, pertencer é um problema de saúde publica.
E, A MOTO ?
A moto, uma Suzuki 125, a icônica Intruder, daquelas motos classicas para ter por toda a vida, Vange pilotar essa moto atravessando a ponte Rio-Niteroi foi surreal, não sei dizer os sentidos que o roteiro e direção do curta tiveram, mas vou relatar para voces os sentidos que encontrei nessa cena.
Ro interpretada por Bruna Linzmeyer, se auto convida para ir de garupa, aquele momento de que pode ser um flerte, Vange se surpreende e obvio que aceita, a cena é tão sensível de tanta diversão, descoberta, liberdade, carinho, conexão, corpos que se movem, cuidados e segurança…
Todas essas sensações juntas em uma ponte de 13,29 km em uma madrugada com garupa em uma Suzuki 125, é estar em estado de encantamento e pura liberdade, no meu caso que morro de medo de pilotar moto em pontes só em estado de paixão para viver essa travessia, aliás todo encontro é sempre um atravessar-se.
Simbologias dessa cena, Vange estava em travessia da solidão para novos modos de performar seu eu sapatao, a conexão delas divertindo-se cuidando-se sobre o mar de aguas que depois é um transbordar de conexões fora de qualquer caixinha social, deixo para vocês tirarem as próprias conclusões…
A cena em si da moto é evidente que era uma simulação, me parece que o intuito não era fazer real a cena de Vange pilotando, mas a essência que a liberdade que sentimos no ATO DE PILOTAR, essa essência no motociclismo chamamos também de irmandade, conexão motociclista, pois nenhuma liberdade é uma conquista de uma só pessoa, mas uma construção coletiva. Vange e Ro na moto nos transmite essa sensação de corpos livres vivendo a liberdade do aqui e agora, na simplicidade da própria EXISTËNCIA!
E como todes motociclistas, o caminho faz a viagem valer a pena, o encontro com outres nas chegadas e partidas. Vange e Ro encontram-se como coletivos, essa liberdade de construção onde não há uma relação hierárquica entre sexo, amizade, companheirismo, amor, paixão, tesão… o ato de viver como erótico.
Para mim esse curta transpõem em cenas o poema Integridade de Adrienne Rich, o conceito de erótico de Audre Lorde e a vivencia da não monogamia de Brigitte Vasallo, uma perfeição em audiovisual, demarcando uma nova era.
REFERENCIAS
CURTA – UMA PACIENCIA SELVAGEM ME TROUXE ATÉ AQUI
Produção: Érica Sarmet, Lívia Perez, Silvia Sobral
Fotografia: Cris Lyra
Roteiro: Érica Sarmet
Direção de Arte: Martim Charret
Animação: Tomas Cali
Montagem: Bem Medeiros, Clarissa Ribeiro
Produtor: Excesso Filmes
POEMA INTEGRIDADE – Adrienne Rich
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